Sobre o amor que ousa dizer seu nome

por Amanda Maia, diretora do espetáculo

Amanda MaiaE então eu perguntei, por que desejar é sempre se perder? Tracei meu  caminho pela vereda da perdição. Escolhi a danação. A quimera como norte, o destino lançado à sua própria sorte, sacrilégios, profanação. Um santo de couro e tatuagem, fogo nos olhos, sensualidade. Uma menina, uma mulher com terra nas veias e sangue nas lágrimas. E o rufar dos últimos segundos, onde tudo é agora, a estrada se desmancha a cada passo dado, não há como voltar, não há como olhar o ontem, só há o abismo do desejo se abrindo com cheiro de dia sem sol.

Abri as chagas de muitos cristos, pactuei com o impossível, arrisquei muitas degolações, pescoços se abriram em gritos de dor, olhares de medo, incontáveis segundos de desespero. E a pulsação continua, inveterada como um caleidoscópio tribal.

Os jardins da Escola de Teatro me ensinaram a resposta. Eu escolhi. Escolhi o sacerdócio de oferecer em sacrifício minhas vontades, perversões, segredos, medos, dualidades, devaneios, vícios, aquilo que eu sou. Encontrei loucos que me alimentaram com Artaud, Grotowski, Brook, Stanislaviski, que ensinaram minhas mãos e meu olhar, fui levada ao açoite muitas vezes, ouvi risos de escárnio no frio na barriga, vozes diziam que eu devia ir embora. E a fome só aumentava.

Foi naquele jardim que Wilde falou comigo, numa noite de lua faminta, quando havia uma serpente enrolada em meu pescoço. Vieram então os delirantes encontros com seres divinamente humanos, sagradamente imperfeitos, o panteão de pessoas que contam a história da mariposa que se joga à luz para ousar nomear o amor que sente, dançando ao som das tempestades do inferno.

Nada poderia ser fácil através de um olhar queer vermelho tinto, onde santidade é sinônimo de obstinação, oriente é símbolo, ocidente é rock'n roll e acreditar é transigir. Tudo por um beijo. E é o que eu desejo. Quero beijar com a força do último suspiro todos aqueles que passaram e os que ficaram. Todos aqueles que caminham comigo. Desejo que todos permitam se perder, para que possam encontrar um caminho, porque pertenço àquele mundo pagão onde o prazer é expresso na carne e o desejo é a única via.

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