“O maior desequilíbrio da minha vida”

Depoimento de Ana Versil Angélica Veloso

Nos muitos momentos de filas gigantescas de nossas duas temporadas aconteceram momentos muito pitorescos. Às vezes nervosos, outras vezes ternos. Há algum tempo havíamos notado uma senhora que sempre estava na fila esperando sua etiquetinha de “especial”, tarja que colocamos para aqueles que por motivos diversos não podem sentar no chão, nossa proposta original de acomodação do público. Perto de terminar a temporada resolvemos puxar assunto com ela, e perguntar a razão de ter assistido tantas vezes nosso espetáculo. Com certeza não estávamos preparados para o que se seguiria. Foi tão intenso o depoimento que resolvemos registrar.

Salomé, de Oscar Wilde – Vamos conversar agora com uma pessoa que foi público de Salomé e gostaria de dar o depoimento dela sobre o que achou do espetáculo. Primeiro gostaríamos de perguntar para a senhora qual é o seu nome, idade e no que a senhora trabalha.

clip_image001[6]Ana Veloso – Olha, o meu nome é Ana Versil Angélica Veloso. Eu sou pedagoga aposentada da Prefeitura e do Estado. Sou uma pessoa que trabalhou durante muito tempo como relações públicas dos correios e telégrafos, e também na Universidade Católica de Salvador.

SOW – Quantos anos a senhora tem?

AV – Eu tenho sessenta e cinco anos.

SOW – Nem parece (risos).

AV – Muito obrigada pelo elogio.

SOW – Então, dona Angélica...

AV – Todo mundo aqui me chama de Ana Veloso.

SOW – Pronto. Dona Ana Veloso, o que a senhora pode nos contar do que achou da peça?

AV – Achei que a peça foi bastante inovadora. Aquela maneira especial dos atores buscarem a platéia na sala de espera foi o maior desequilíbrio da minha vida. Foi um espanto! Cada vez que eu vejo [esse momento] me emociono com o que sai dali. E fico muito ansiosa para ver como é que vão sair as fantasias, as roupas, e quem é que vai buscar quem e pegar quem.

Aquilo ali foi a maior surpresa – que foi levar o público para fazer parte do cenário, né? Então, o povo [espectadores] se sentiu completando, ele mesmo, a peça. E eu vou dizer a você: Me senti muito feliz com aquele cenário. Quando vi aquela música, aquele banquete surpreendente... Eu nunca vi [algo parecido]. A peça teve de tudo! Tem a parte antiga [que se refere a] bíblia, tem a parte moderna. E aquilo me tocou, me equilibrou.

clip_image001[8]Então, em arte, em criatividade, em invenção, vocês tiveram de tudo. E o público ali... Eu nunca em lugar nenhum senti aquilo. Foi um trabalho de equipe que vocês tiveram muito elaborado. E o público colaborou. Eu consegui até medir o nível educacional (risos) da platéia. Por que ninguém assovia, ninguém faz balbúrdia, ninguém fala nada. Todos ficam acomodados e não se mexem.

A música também. A música que vocês trouxeram foi um grande diferencial. Porque o instrumento... Aquele grande é o quê? Como é o nome – é violoncelo? Aquela peça grande. Aquele violoncelo tocando diferente, aqueles tambores... Aquilo ali eu achei que foi a maior miscigenação da nossa música antiga com a nossa música moderna. Aquilo nos levou ao sonho. Aquilo nos levou a desprezar todos os problemas.

Eu mesma consegui superar um grande problema que estava tendo, que foi uma ressonância magnética que fiz. Nada fazia passar aquele barulho [nos ouvidos], eu fiquei traumatizada. Mas depois que vi Salomé, consegui o reequilíbrio de minhas energias. Eu fiquei totalmente tranqüila e equilibrada. Inclusive sugeri essa peça a meus filhos e eles ficaram encantados.

E a indumentária dos atores foi a coisa mais linda, mais surpreendente. Foi tudo, tudo dentro do limite. Não houve assim um excesso, um exagero de nada.

Então por esta criação artística, pelo banquete, por aquela música, foi uma noite em que me senti como se estivesse naquela história de mil e uma noites. E eu passei a orar, a agradecer por ver tanta beleza, por ver tanta harmonia, por ver tanta mistura, tanta combinação de coisas maravilhosas. Por isso eu lutei e já assisti essa peça mais de uma vez. Já estou quase expulsa pela diretora (risos). É o terceiro dia que venho aqui, mas ela não pode nem me tirar porque eu chego cedo. Logo de tarde sou a primeira [a chegar] e tento pegar uma vaga de idoso e tenho conseguido.

Então vocês estão de parabéns e essa é a peça que nós estamos precisando. O baiano precisa sonhar, o baiano precisa ter esperança. E essa peça fala de tudo. Fala do amor. Fala do desejo. E misturar vinho, com frutas, com dança, é uma alucinação de muita felicidade. É isso o que tenho para dizer.

SOW – Obrigada Dona Ana. Aproveite mais uma sessão de Salomé, e esteja sempre aqui.

AV – Eu quero falar de Amanda. Amanda Maia é uma diretora jovem, dinâmica, e que não pára só no fundo dos camarins. Ela acompanha a criação – foi criação dela, né? – a criação dela até o fim com muito carinho, como a pessoa especial que ela é. Até na fila ela vai, ver o conforto dos convidados [espectadores], e não nos deixa faltar nada. Então está de parabéns. O pessoal da fila, que trabalha ali na bilheteria, na produção, é muito gentil, educado. Pessoas todas de nível. Estou altamente satisfeita. Quero dizer que além de amar essa casa que é o teatro Martim Gonçalves, eu ainda estou agradecida a Deus por ele passar uma peça tão linda quanto essa. Obrigada.

SOW – Obrigada.

Ana Versil e a diretora de Salomé

 Na foto acima, a Sra. Ana Versil Angélica Veloso e a diretora do espetáculo Salomé, de Oscar Wilde, Amanda Maia.

Para ouvir a entrevista, clique no play abaixo.

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